De tempos a tempos conheço uma mulher que me afasta da realidade. Que, apenas sendo, me empurra para o domínio da imaginação.
Ao olhá-la, não consigo deixar de sonhar em como será beijar os seus lábios. Como será saboreá-los, lenta e profundamente. Imagino-me a dedicar-lhes a atenção que parecem solicitar, perdendo-me nos seus contornos; deixando-os húmidos e palpitantes, ávidos por ainda mais atenção.
A espaços, forço-me de volta à realidade, distraindo-me dela. Tento falar-lhe de banalidades, num esforço desesperado de contenção. Quero dizer-lhe em que penso, mas ainda não chegou o momento.
A conversa de circunstância resulta, mas apenas por breves instantes. À medida que se desenrola e se vai tornando agradável, concentro-me de novo na minha interlocutora. Enquanto a escuto, observo os seus trejeitos, e delicio-me. E a realidade escapa-se-me.
Começo então a imaginar o que os seus lábios escondem: uma língua irrequieta mas contida; uma boca quente e sôfrega. Deambulo nas profundezas dos seus olhos e imagino o entusiasmo nervoso do primeiro contacto, da aproximação do olhar, da mistura das respirações ofegantes. Imagino a crescente ânsia pelo contacto corporal. Até ser praticamente incontrolável; quase sufocante.
Apesar da agitação interior, à superfície, permaneço sereno. Estou a escutá-la e a observar a sua linguagem corporal. O seu corpo terá a palavra final. Talvez me diga que me afaste, terminando assim o sofrimento criado pelo esforço imenso de ocultação dos sonhos. Porém, detecto interesse. Manifesta-se subtilmente − claro, é uma mulher − mas está lá, e fraquejo; não consigo fingir que não o vejo. Agora, dificilmente voltarei à realidade. Agora, já não me consigo distrair desta mulher. E a divagação recomeça. Divago em todos os seus detalhes, e apercebo-me: estou perdido.
Já não consigo conter o impulso de a trazer para a minha fantasia. Não quero ficar apenas com o meu sonho dela. Quero − aliás, tenho que − partilhar o que me vai na alma. Mas detenho-me enquanto me pergunto: será ela capaz?
Curiosamente, constato que a generalidade das pessoas não tem pudor no que respeita a estes devaneios. Imaginam tudo o que conseguem, e até o que não conseguem. No entanto, ou o fazem solitariamente, ou na companhia da ideia que têm de alguém, ou, ainda, na companhia de um personagem sem rosto. Isto, afirmam, não é traição. Não quebra promessas feitas. É antes, imagine-se, terapia (ou outros disparates que nunca ouvi).
Quanto a mim, sinto que sou de outra espécie. Não sei se melhor ou pior (provavelmente, esta última). Talvez eu esteja errado, e eles não. Talvez. Talvez seja eu o fraco, não sei. O que sei é que, nesta fase da minha vida, já não quero saber. Sou, e pronto.
Mas sei mais. Sei também que trago comigo um sorriso na alma, construído com momentos inesquecíveis. Momentos partilhados com aquelas que ousaram juntar-se a mim na imaginação. Momentos que não resultaram da minha imaginação com a ideia de alguém, ou da imaginação de alguém com a sua ideia de mim. São, antes, momentos em que imaginámos juntos.
De que falo eu? Realidade, ou fantasia? Não sei. Mas estivemos lá, um com o outro. Deixámos tudo o resto para trás, e sonhámos juntos. Remorso? Culpa? Bolas. O que deixámos para trás, e que retomaremos de seguida, não é sequer comparável. De que nos vale pensar nisso?
Não penso. Continuarei a construir-me com momentos destes. Não só com eles, mas também. Apenas espero que este meu ser, este meu amor em viver fantasia, não magoe os que na realidade amo.