segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Self-knowledge...


... is like lost innocence. However unsettling you may find it, it can never be un-thought or un-known.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Epílogo


Magnífica, sublime, em meus braços jazes. Entendo agora, ao olhar-te, porque não me detive; porque te sorvi tão avidamente, até à exaustão.

Desenfreado, sôfrego, alimentei-me. O que te extraía era simplesmente delicioso: era único! Vida corria-me nas veias; pulsavas em mim… Empolgado, distraí-me, e retirei-te mais do que podias dar, exaurindo-te. O pouco que te resta é para ti. Agora, já não me podes saciar.

Por fim, o desfecho fatídico, inevitável. Ao constatá-lo, soltei uma lágrima; solitária. A última... e com ela esvaiu-se-me a humanidade.

Terá sido Amor? Não certamente. Não conheço esse sentimento tão louvado, tão nobre, tão pleno... Como poderia? Sou uma criatura vil. Tudo de puro me é alheio.

“É abuso que Plutão amasse Proserpina;
Em peito tão cruel nenhum desvelo atina:
Reina na terra amor; no inferno isso é que não.”

(Como cantado por Pierre de Ronsard)

Soneto da separação

"De repente do riso fez-se pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente."

Vinicius de Morais

domingo, 1 de novembro de 2009

Por vezes,


e apesar de acompanhado, sinto-me só.

Falam-me, mas não os escuto. Em vez disso, ouço ecos de palavras que não são ditas; contemplo reflexos do que não se vê; delicio-me com fragrâncias de quem ali não está.

Num instante, viajei; do que me rodeava nada resta. Encontro-me em campo aberto, em local desolado; nada nem ninguém por perto. Estou sonhando acordado. Sonho com o que foi e com o que será, ou com o que espero que venha a ser; uma cornucópia de passado e de expectativa de futuro; realidade e invenção, emaranhadas…

Estou no centro de um turbilhão de emoções. Emoções reminiscentes, reais e imaginárias, muitas vezes contraditórias; deliciosamente contraditórias. Um temporal que vem de dentro; avassalador. Estou no meio da tormenta, e sorrio.

O que vejo, o que sinto… é meu. Incompreensível para os demais; mesmo que quisessem… por muito que tentassem…

Por vezes, e apesar de acompanhado, estou só. Orgulhosamente só. E penso para comigo: “I am the last of my kind.”

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Autoridade

Segundo a opinião de alguns líderes natos, a melhor forma de exercer autoridade é não recorrer a atitudes autoritárias. Para recolher obediência, dizem, é preciso saber pedir. É necessário fazê-lo com arte, para que se torne impossível recusar.

Reparem só como se pode exercer autoridade num imortal.

Ela: Olá, como estás?
eu: Não-vivo, claro. E tu?
Ela: Estou bem. Há algum tempo que não conversamos. Temos que combinar um encontro.
eu: Sim, um dia destes.
Ela: Hum…
eu: Hum… ?
Ela: Sim. Estás a esquivar-te.
eu: Não, não estou. Apenas não considerei a hipótese de teres urgência em ver-me. Além disso, ando esmagado com trabalho… Está mesmo tudo bem contigo?
Ela: Sim, está.
eu: Então, que se passa?
Ela: Estou mesmo a precisar de uma boa foda.
eu: Ok. Quando?


Mesmo que quisesse, não poderia recusar, pois não?

terça-feira, 26 de maio de 2009

Para Ti, mulher

"A flor que és, não a que dás, eu quero.
Porque me negas o que te não peço?
Tão curto tempo é a mais longa vida,
     E a juventude nela!

Flor vives, vã; porque te flor não cumpres?
Se te sorver esquivo o infausto abismo,
Perene velarás, absurda sombra,
     O que não dou buscando.

Na oculta margem onde os lírios frios
Da infera leiva crescem, e a corrente
Monótona, não sabe onde é o dia,
     Sussurro gemebundo."

Ricardo Reis

domingo, 19 de abril de 2009

A Viagem

“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”,
Ensaio sobre a cegueira, José Saramago


Poucos têm a coragem de enfrentar o que são. De olhar, demoradamente, para o seu âmago. Em tempos não muito longínquos, o vivo que me transporta empreendeu essa jornada. Viajou para dentro de si mesmo.

Bem… pensando melhor, não foi empreendimento seu. Antes, foi atirado pelas circunstâncias do momento. Mas descrever-vos-ei essas circunstâncias, e os acontecimentos que as criaram, noutra ocasião.

Dizia eu que, em tempos não muito longínquos, o estropício viajou para dentro de si mesmo. Lá, nas trevas, oculto, encontrou-me a mim: tenebroso; vil. Horrorizado, iniciou a sua Cruzada; a sua busca por redenção. Encetou a contenda contra mim: eterna e, porém, fútil. Uma luta desesperada. Ainda não me entregou a alma, apesar de já ser minha.

O seu espantado horror não se compreende. Eu sempre lá estive. Desde o instante em que foi arrancado do ventre de sua mãe. Arrancado, porque resistiu. Como se adivinhasse que, com ele, também eu viria ao mundo. Resistiu. Como se soubesse que eu estaria sempre lá, envenenando-lhe o sangue; corrompendo-lhe a alma.

A sua resistência deixou as marcas do cirurgião no corpo da progenitora. Evidências do seu instinto pré-natal. Evidências de mim. Mas, durante anos, escolheu não as ver. Um poltrão, asseguro-vos.

A sua percepção da minha existência deveria ter surgido numa das inúmeras oportunidades que lhe dei. E manifestei-me tantas vezes… Contudo, a sua covardia convenceu-o de que se tratavam apenas de actos causados pela ingenuidade da juventude; que eram desprovidos de maldade.

Mas quando deixou de conseguir atribuir os meus actos à sua ingenuidade… estremeceu. Olhou, e viu-me. Percebeu então que trazia dentro dele, desde o início, uma coisa: Eu. Só que, essa coisa, ao contrário de outras, tem nome.

As atrocidades que me tornaram infame são as menores que cometi. Produziram muitas mortes, de facto. Todavia menores porque, desde então, tenho sido ainda mais abjecto: tenho feito muitas vítimas, sem as matar; mas corrompendo-as, condenando-as.

Eu sou a coisa dentro dele. Sou o destino inesperado da sua viagem. Sou Vlad Drãculea.